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Chute o Lula

domingo, 19 de agosto de 2012

Nelson Piquet, 60 anos...

Não dá para não homenagear Piquet, ao completar 60 anos... Só quem viveu esse tempo sabe do que estou falando, e assim sendo, reproduzo a coluna de Flávio Gomes no MSN Esportes / Grande Premio... É longa, mas é ótima!
"Piquet pode não ter sido o melhor, nem o mais importante piloto brasileiro. Mas foi, certamente, o mais interessante.
E na minha escala de valores, muito particular, interessante vem na frente de importante e de melhor.
E nessa mesma escala de valores, bastante particular, Emerson foi o mais importante e Senna, o melhor".

Isso posto, porque é óbvio que quando se fala de Piquet em tom laudatório a malta de sennistas se ouriça, assim como se ouriça a súcia piquetista quando o tom laudatório é dirigido a Senna, falemos um pouco de Nelson Piquet.

(Mas antes vale um parêntese para os mais jovens, que talvez não compreendam bem essa história de sennistas e piquetistas. Isso existia — ainda existe, mas existia em manifestações, digamos, mais agudas nos anos 80 e 90 do século passado. Hoje essa briga se dá em fóruns, blogs, redes sociais. Uma coisa meio estúpida. Piquet e Senna eram os esportistas brasileiros mais bem-sucedidos de um tempo em que o futebol, carro-chefe esportivo do país desde que o dia em que o primeiro tupinambá deu um bico num coco numa praia de Trancoso, estava em baixa. A seleção havia conquistado o tri em 1970 e a decepção de 1982 fez com que outros ídolos ganhassem algum espaço na mídia e no coração amanteigado de nossa gente cordial. Assim, dois caras que ganhavam corridas e títulos numa modalidade de ponta, como a Fórmula 1, conquistaram uma notoriedade ímpar. Era vinhetinha pra lá, Tema da Vitória pra cá, bandeira no pódio e Hino Nacional o tempo todo. Na falta de outra coisa, servia bem ao propósito de manter a autoestima das pessoas em níveis aceitáveis — aquela babaquice de sempre, de misturar esporte e patriotismo. Isso não vem ao caso, porém. Com dois caras para torcer, era natural que a escumalha se alinhasse a um ou a outro. Senna era a encarnação do Bem. Piquet, a do Mal. Claro que estou simplificando as coisas. Mas era mais ou menos assim.)

Piquet e Senna foram igualmente competitivos por pouco tempo: de 1985, quando Ayrton foi para a Lotus, até o fim de 1987, quando Nelson deixou a Williams. Antes e depois, foram apenas contemporâneos, mas não duelistas. Os últimos quatro anos de Piquet na F-1 foram totalmente ofuscados pelo sucesso estrondoso de Senna. E isso contribuiu para acirrar a rivalidade, que ocorria “a nível de” paddock, imprensa e papos de botequim. Era bem divertido.

Nelson completou 60 anos hoje. Sua trajetória é das mais ricas, construída a partir de uma oficina em Brasília, passando por viagens de Kombi, por motores “emprestados” dos clientes, por categorias de base como a Super Vê (que era belíssima), por muita mão na graxa, muita inteligência, esperteza, capacidade de observação, aprendizado constante, F-Ford na Inglaterra, F-3, títulos, vitórias, dedicação, esforço, empenho, entrega, comprometimento, confiança no taco e tudo mais que compõe a figura completa de um grande piloto.

Na F-1, conviveu com gênios de todos os tipos e áreas, como Ecclestone, Murray, Head, Williams, o pessoal da BMW (Piquet fala “bê-eme-vê”, como se deve), da Honda, das fábricas de pneus, mecânicos, engenheiros, projetistas, e sempre foi um deles, um igual, um gênio para um monte de coisa. Correu, ganhou, bateu, foi para a Indy para correr as 500 Milhas, bateu de novo, quase morreu, parou, casou um monte de vezes, encheu o mundo de descendentes, tornou-se empresário e colocou um filho na F-1.

Nessa vida louca toda, Piquet sempre manteve o ar moleque e os olhos rápidos e faiscantes, parecia não envelhecer nunca, até 2008, quando Nelsinho fez a cagada do século em Cingapura e ele, o pai, se envolveu até a última célula. Aí, envelheceu. Acho que nada na vida incomodou Nelson, nada foi capaz de derrubá-lo, de deixá-lo magoado ou triste por mais de cinco minutos. Mas o filho bater o carro de propósito, a mando de um crápula como Briatore, acabou com ele.

Convivi bastante com Piquet, de 1988, quando comecei a cobrir F-1, até 1993, quando fez sua última corrida importante, em Indianápolis. Guardo poucas histórias, como a do boné que me deu no grid das 500 (e pode ser lida aqui: http://flaviogomes.warmup.com.br/2012/05/piquet-20/), das brincadeiras de pivete, como pegar meu gravador e jogar longe, para vê-lo se espatifar no chão e cair da cadeira de tanto rir, das boas entrevistas e de um ou outro encontro fora das pistas. Num deles, em Cumbica, o vi desembarcar com duas rodas enormes nas mãos e perguntei por que não tinha despachado aquilo, para ouvir dele que tinha medo que o despacho se extraviasse, eram para alguém que precisava dar um upgrade na sua cadeira de rodas, e aquilo era importante demais para se perder numa esteira de aeroporto.

Em 1989, em Monza, Senna brilhava na McLaren e Piquet se afundava numa Lotus medíocre, quando cruzei com ele no paddock e o chamei timidamente. Ele virou-se e disse que não queria falar com ninguém, estava puto dentro do macacão e sem saco para nada, soltou um palavrão e seguiu em frente. Tomei coragem e gritei: não quero falar com você, é que tenho um recado do Crispim! Nelson estancou na hora, voltou-se para mim e perguntou: você conhece o negão? E eu contei que sim, que conhecia o negão, ele mexe nos meus DKWs, tirei um pedacinho de papel do bolso com um número de telefone e dei a ele. Puta que pariu, o Crispim, quanto tempo que eu não vejo esse negão filho da puta, me dá esse telefone aqui, e abriu um sorriso enorme, esqueceu a Lotus, a desgraça do carro, o sucesso do rival, as pentelhações da ex-mulher. Miguel Crispim Ladeira, mecânico-chefe da equipe Vemag nos anos 60, era quem lhe emprestava um quarto para dormir em São Paulo quando Piquet despencava de Kombi de Brasília trazendo suas peças e ferramentas para correr de Super Vê, era quem lhe dava uma mão em Interlagos, era um irmão e um amigo. Dei o pedacinho de papel para ele, que me abraçou e disse puta que pariu, vou ligar pra ele já.

E consta que ligou, mesmo.
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sábado, 18 de agosto de 2012

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